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Diário do Ano C-19

Diário do Ano C-19

12
Jun22

As distopias da covid-19

João Miguel Almeida

Ontem, no arraial dos santos populares, em Carnide, ninguém diria que a covid-19 ainda anda por aí. Uma ou duas pessoas com máscaras faziam figura de excêntricas, como se confundissem o carnaval com uma festa alfacinha.

Já foi anunciado um plano de vacinas para o próximo outono em que a covid-19 é colocada ao nível da gripe. Agora sim, a covid-19 está normalizada. O SARS-CoV-2 é mais um vírus com potencial para incomodar, sazonalmente, algumas pessoas.

O surto epidémico teve efeitos contraditórios sobre a mente das pessoas. Numas alimentou atitudes de negação e teorias da conspiração, noutras distopias. As distopias mais importantes foram contraditórias: a distopia «darwinista» em que os mais desprotegidos morriam enquanto os ricos, jovens e saudáveis, os «fortes», sobreviviam, e a distopia «totalitária» em que um Estado, a pretexto de cuidar e proteger as pessoas, passava a controlar toda a sua vida.

O Brasil serviu de inspiração aos distópicos «darwinistas» e a China aos «totalitários». As distopias têm o mérito de nos prevenir contra possíveis derrapagens sociais e políticas. Mas o regresso a uma sensação de normalidade lembra-nos que um estado de exceção pode e não deve ser mais do que uma exceção temporária e justificada.

17
Abr22

Ilações a tirar da covid-19

João Miguel Almeida

A Páscoa assinala a morte social da covid-19. As pessoas e as famílias, com mais ou menos máscaras, retomam os hábitos de reencontro. É a guerra da Ucrânia que agora domina os noticiários. Declarações de responsáveis de saúde de que as mortes associadas à covid-19 se encontram acima do previsto, soam como uma abstração ou notícias de uma realidade mais longínqua que a guerra da Ucrânia. Todas as pandemias têm uma dimensão social alimentada pelo medo. Esse medo desapareceu ou foi reduzido a um patamar mínimo. Quando a maior parte da população recebeu três doses da vacina e/ou foi infetada sem consequências maiores, o perigo pandémico percecionado é muito baixo.

Algumas ilações já se podem tirar da covid-19. A primeira é que qualquer discussão sobre uma pandemia e a melhor forma de combatê-la tem de basear-se num conhecimento científico do vírus. Parece óbvio, mas as violentas polémicas iniciais, que também atingiram este blogue, em torno da «vacinação natural», do confinamento e da «grande conspiração dos media» ignoraram esta ideia básica. A «vacinação natural» seria aceitável e o confinamento uma medida insuportável se a letalidade da covid-19 fosse comparável ao de uma gripe normal. Era cerca de dez vezes superior. Medidas que seriam razoáveis para um vírus mais fraco, ou para uma variante mais benigna do SARS-CoV-2 seriam/foram catastróficas para a variante delta.

O confinamento foi uma estratégia racional adotada perante um vírus com as características do SARS-CoV-2 e antes de estar disponível a possibilidade de vacinação em massa da população.

A segunda ilação a retirar é que as loas ideológicas à sociedade civil e à iniciativa privada têm efeitos perversos numa situação pandémica, convergindo com a demagogia política mais descarada e com o darwinismo social mais brutal. Convém não esquecer os textos que equacionaram em termos de custo-benefício a morte de velhos e doentes e a indiferença ou desvalorização mostrada por algumas pessoas pela morte de pobres.

A parte da sociedade civil mais relevante num contexto pandémico foi a comunidade científica e a sua relevância esteve associada à capacidade de influenciar políticas governamentais. A iniciativa empresarial privada foi capaz de colocar no mercado máscaras que diminuíram o impacto da pandemia e ferramentas tecnológicas que permitiram o teletrabalho evitando o encerramento de empresas. Mas se a produção e distribuição de vacinas ficasse entregue exclusivamente aos interesses das farmacêuticas, aos recursos financeiros de privados para investir em investigação, ao mercado, a proteção das populações por vacinas seria ainda mais desigual. E num mundo tão globalizado e conectado como o nosso, a vacinação de uma minoria de ricos seria uma vitória de Pirro para os próprios, pois mesmo que a saúde de uma minoria ficasse protegida, ninguém ficaria totalmente a salvo de uma catástrofe económica e social.

A pandemia lembrou-nos que nenhum homem é uma ilha e nenhuma sociedade é apenas uma soma de indivíduos.

12
Fev22

O princípio do fim da pandemia

João Miguel Almeida

Quase dois anos após o início da pandemia, tive uma versão ligeira da covid-19. Como a minha mulher, o meu filho e milhares de outros portugueses que estão a ser varridos pela variante Ómicron. A sensação é de alívio. Foi um longo caminho percorrido desde o primeiro confinamento, marcado pelo medo do desconhecido e pelas certezas ilusórias de alguns negacionistas, até ao anticlímax de uma pessoa pensar que teve mais um ataque de rinite alérgica e afinal, o teste declarou, teve covid-19.

De certo modo, tive covid-19 na melhor altura possível: pouco tempo depois da terceira dose da vacina estar ativa. Mas há um grau de incerteza sobre os efeitos da covid-19 que apenas é ultrapassado depois de a apanhar. Nunca sabemos como é que o corpo vai reagir. Há pessoas em grande forma física que são arrasadas pela covid-19 e outras pouco dadas ao desporto que passam incólumes pela doença.

O clima geral é de descompressão. Já ouvi o seguinte comentário: «acabei de apanhar a terceira dose da vacina, agora devia ficar infetado para despachar isto». Compreende-se, embora não seja uma atitude recomendável. Nunca se sabe a covid-19 que nos calha na rifa e se atualmente a doença já mata pouco, as sequelas podem ser muito incómodas ou mesmo incapacitantes.

É claro que a distribuição desigual das vacinas por todo o mundo pode favorecer a emergência de novas variantes que façam descambar o processo de libertação da pandemia. Mas o nosso horizonte é muito melhor do que no tempo em que se dizia que talvez nunca se descobrisse uma vacina para a covid-19, como nunca se descobriu uma vacina para a SIDA. A situação pode piorar mas também pode voltar a melhorar. Falta-nos saber muito sobre o SARS-CoV-2 – nomeadamente sobre os seus efeitos a longo prazo – mas já sabemos o suficiente para travar a pandemia. É esse horizonte que nos permite respirar.

02
Fev22

A Cascata

João Miguel Almeida

Münch gripe espanhola.jpg

Ao longo da História as pandemias têm deixado marcas emocionais nas sociedades e nos seus artistas. Em 1918, Edvard Münch pintou o «autorretrato com gripe espanhola» (imagem acima). O jovem Hemingway, condutor de uma ambulância durante a I Grande Guerra, apaixonou-se por uma corajosa enfermeira que tratou das vítimas da pandemia. Foi uma relação que marcou a sua personalidade e a obra do escritor.

A pandemia da covid-19 já está a deixar uma memória na ficção contemporânea. Um exemplo é o premiado filme Cascata, uma produção de Taiwan acessível na Netflix (link).

Cascata.jpg

No filme, nenhuma das personagens principais – uma mãe e uma filha - é infetada com covid-19. A pandemia é como um «gatilho» espoletador de uma psicose numa mulher que já se encontrava sob pressão por motivos relativamente comuns: um divórcio mal resolvido; um trabalho demasiado stressante numa multinacional.

A identificação de um caso de covid-19 positivo na escola da filha, determina que a jovem e a mãe sejam colocadas em quarentena, entrando em choque emocional uma com a outra e consigo próprias. A quarentena funciona como a porta de uma barragem subitamente aberta, levando a água contida a precipitar-se numa enxurrada. Sem a defesa emocional das rotinas diárias, as emoções precipitam-se e é transposta a linha ténue entre sanidade mental e loucura.

O filme mostra os efeitos sociais e mentais da pandemia, os seus «danos colaterais» da saúde mental de pessoas com uma vida normal na sociedade contemporânea, com subtileza e precisão.

31
Jan22

As Flechas de Apolo

João Miguel Almeida

A Flecha de Apolo.jpgNa Ilíada, Homero atribui o flagelo da peste que devastam o exército grego às flechas de Apolo, um deus curandeiro e capaz de usar os vírus como uma arma contra os gregos, que quis castigar por terem raptado a filha de um dos seus sacerdotes preferidos: «depois de lançar uma flecha contra os próprios homens, castigou-os sem parar e piras fúnebres com os corpos arderam sem cessar. Nove dias sofreu o exército as flechas de deus. Contudo, ao décimo dia, Aquiles convocou o povo para uma assembleia (…) pois ele sentia pena dos gregos ao vê-los assim.»

No século XXI ninguém recorre a histórias de deuses para dar sentido a uma pandemia, mas os sofrimentos e as emoções humanas perante a peste continuam a ser basicamente os mesmos. As teorias da conspiração mais absurdas coexistem com um conhecimento científico que continua a ser lacunar em relação à covid-19, mas que não pode ser desprezado no combate à doença. A Flecha de Apolo, um livro de divulgação científica sobre a covid-19, escrito no verão de 2020, mostra o que sabemos sobre o vírus SARS-CoV-2 e dá-nos muita informação relevante sobre políticas de saúde pública em contexto pandémico. O autor é médico e sociólogo, com um bom conhecimento da História e da mitologia grega, qualidades que, reunidas, contribuem para a legibilidade e interesse do texto.

O livro contém uma estimativa sobre o período em que a humanidade alcançará a imunidade de grupo, feita antes das vacinas serem produzidas e distribuídas em massa: será este ano, 2022 que, por métodos naturais ou vacinação, o SARS-CoV-2 se tornará endémico. Passará a haver apenas pequenos surtos ocasionais de covid-19 entre pessoas não imunes. É claro que a via natural tem um custo elevadíssimo em mortes e qualidade de vida. Há uma frase que, lida agora, parece anunciar a chegada da Ómicron: «Tipicamente, com o tempo, os vírus tornam-se menos letais como resultado da sua propagação preferencial e da sobrevivência de estirpes mais ligeiras».

O próprio SARS-CoV-2 deveu o seu sucesso à menor mortalidade do que o seu antecessor, o SARS-CoV-1, que desencadeou uma pandemia declarada contida pela OMS a 5 de julho de 2003, apenas oito meses após o seu início. A taxa de letalidade de casos bruta do SARS-CoV-1 foi determinada em 10,9 por cento. A mesma taxa de letalidade por infeção do SARS-CoV-2, conhecidos no verão de 2020, situava-se entre 0,25 e 0,6 por cento. Foi a rapidez do SARS-CoV-1 a matar as suas vítimas que travou a sua propagação. Hoje é possível afirmar com rigor científico que o SARS-CoV-1 era dez vezes mais mortífero que o SARS-CoV-2. E com o mesmo rigor, contra todos os negacionistas, pode afirmar-se que o SARS-CoV-2 é dez vezes mais mortífero que a gripe sazonal.

A par das suas características específicas, a pandemia da covid-19 partilha com todas as pestes modernas o facto de ser uma zoonose, ou seja, de nos atingir através de animais selvagens. Tudo indica que as novas pandemias estão ligadas às alterações climáticas. Pessoas e animais são forçados a abandonar os locais onde vivem e a estabelecer outras formas de contacto que favorecem a passagem de vírus de entre diversas espécies de animais e seres humanos.

Esta pandemia estava há muito anunciada e a próxima está ainda mais anunciada. As agendas científicas, políticas e cívicas não poderão ignorar o que a covid-19 mostrou sobre a nossa desigual vulnerabilidade neste mundo.

 

30
Jan22

As terceiras eleições da pandemia

João Miguel Almeida

Um ano depois das eleições presidenciais voltamos às urnas, nas terceiras – e esperemos que últimas – eleições na pandemia da covid-19.

Cumpri o meu dever cívico pouco depois do meio-dia, numa escola pública do Lumiar. Estava bastante deserta. As poucas pessoas que se viam circulavam de máscaras postas, devagar, talvez com o ar aborrecido de quem se sente obrigado a cumprir um dever.

A minha secção de voto costuma ser bastante concorrida e situar-se num primeiro andar. A fila enche uma escada que vou subindo, paciente, degrau a degrau. No ano passado, as pessoas deixavam vários degraus entre elas, por uma questão de segurança.

Hoje as escadas estavam vazias. Galguei-as, surpreendido. Assomei à porta da sala e não tinha ninguém à minha frente. Foram as eleições mais rápidas da minha vida.

Votei usando a esferográfica que estava ao meu dispor na sala. Só depois me lembrei que seria mais seguro levar comigo uma esferográfica. Quando regressei a casa, desinfetei as mãos – aqui ficam dois lembretes para quem ainda não votou.

Espero que esta calma não anteceda uma tempestade. Espero que os demasiado calmos para sair de casa não acordem amanhã num país não só assolado pela peste, mas também mergulhado em mais uma guerra política.

09
Dez21

Vacinar as crianças contra a covid-19 é imoral

João Miguel Almeida

O governo quer vacinar 637.907 crianças para evitar 50 internamentos e cinco hospitalizações em cuidados intensivos. A relação causa-efeito é altamente discutível, pois as estimativas baseiam-se num ensaio clínico da Pfizer com menos de três mil crianças dos cinco aos onze anos, em contraste com os ensaios clínicos em adultos que abrangeram entre trinta e quarenta mil pessoas. Se partirmos do princípio de que a relação causa-efeito está certa, não está provado que o mesmo efeito não podia ser alcançado com uma vacinação muito mais restritiva. Parece-me óbvio que se vacinar mais de meio milhão de crianças só evita cinquenta internamentos, as crianças internadas são as que já tinham vulnerabilidades. A vacinação devia então dirigir-se a este grupo específico: crianças obesas, imunodepressivas, com doenças raras, etc.

Outro argumento a favor da vacinação massiva das crianças seria não tanto a proteção da saúde das crianças, mas reduzir os contágios. Mas este argumento é frágil. Portugal é um país envelhecido, onde há relativamente poucas crianças. E está mais do que provado de que a vacinação não evita o contágio. Ainda recentemente foi noticiado um caso de contágio num hospital de Málaga em que todos os profissionais de saúde estavam vacinados (ver aqui).

A vacinação de crianças é imoral porque um dos critérios da moral, já o afirmava S. Tomás de Aquino, é a prudência e não vejo como é que pode ser prudente uma operação que não reúne o consenso científico e técnico e em que há demasiadas incógnitas. Mas a vacinação de crianças num país integrado num espaço económico rico, como é o caso de Portugal, é também imoral do ponto de vista da gestão de recursos limitados. A prioridade devia ser vacinar os países pobres, onde nem sequer muitos profissionais de saúde e grupos de risco têm a primeira dose da vacina. Esta é a vacinação prioritária para reduzir os contágios e travar pandemia.

 

20
Nov21

Como salvar um mundo doente

João Miguel Almeida

Como salvar um mundo doente.jpg

Mais de um ano e meio após o início da pandemia da covid-19 é possível e urgente esboçar um diagnóstico dos seus efeitos sociais, das vulnerabilidades que revelou da nossa organização social, económica e política e de possíveis vias de cura de um «mundo «doente». São estes os objetivos de Eduardo Paz Ferreira, professor catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa, neste livro que toma como mote o discurso do Papa Francisco ao Corpo Diplomático Acreditado junto da Santa Sé, em 8 de fevereiro de 2021.

O actual decano do Grupo de Ciências Jurídico-Económicas da Faculdade de Direito de Lisboa inspira-se também numa frase de uma referência da sua juventude, John Kennedy, no seu apelo a que homens de todo o mundo lutassem contra os «inimigos comuns do homem»: a tirania, doenças, pobreza e a guerra.

A pandemia de covid-19 não tem sido apenas uma crise sanitária – espoletou uma devastadora crise económica e expôs as fragilidades ambientais do nosso mundo, em que a destruição de habitats naturais potencia a passagem de vírus de animais selvagens para seres humanos e o desencadeamento de novas pandemias.

Recordando o dilema inicial, que inflamou as redes sociais, sobre se os governos deviam dar prioridade à proteção da economia ou ao combate à doença, Paz Ferreira mostra que se tratava de um falso dilema, pois «o agravamento da doença teria sempre consequências extremas sobre a actividade económica» (p. 27).

A dimensão política foi fundamental em todo o processo e um dos seus aspetos foi a postura negacionista e obscurantista de importantes líderes políticos, como Trump e Bolsonaro, que provocou centenas de milhares de mortes evitáveis.

Os confinamentos, as falências, a desconfiança face às instituições públicas induziram fenómenos de disrupção social, quebrando laços de convívio e solidariedade, incentivando estado de fadiga crónica e depressão. Expôs também as patologias sociais do mundo em que vivemos. Como disse o secretário-geral das Nações Unidas, «A covid-19 foi comparada a um Raio-X, revelando fracturas no esqueleto frágil das sociedades que criámos. (…) O mito de que estamos todos no mesmo barco. Se é verdade que estamos todos a flutuar no mesmo mar; é também evidente que alguns estão em super iates enquanto outros agarram-se aos destroços à deriva».

A desigualdade social deve ser considerada como um fator favorável à pandemia. Laura Spinney, num artigo escrito no Guardian, a 12 de abril de 2020, afirma-o claramente: a desigualdade não se limita a piorar os efeitos da pandemia. Foi entre as populações a viver em condições miseráveis que o vírus se propagou, afetando toda a sociedade.

Neste cenário sombrio, surgem alguns raios de esperança de lugares inesperados. Joe Biden mostrou capacidade para liderar o combate à pandemia com a sua declaração: «nós não viremos a estar totalmente salvos até que o Mundo esteja salvo» e o seu apoio a uma quebra temporária de patentes para promover a produção de vacinas e permitir que elas sejam fabricadas não só na Europa e Estados Unidos, mas também em países pobres. É lamentável que a União Europeia – à exceção do governo espanhol – não tenha apoiado a proposta de levantamento das patentes. Os argumentos das farmacêuticas em defesa dos seus interesses expõem a sua atitude hipócrita, pois foram os apoios públicos que lhes permitiram fazer investimentos em investigação e inovação que lhes garantiram lucros gigantescos.

Surpreendentemente, muitos dos apóstolos da austeridade radical no tempo das «crises das dívidas soberanas», incluindo o FMI e o Banco Mundial consideram agora uma prioridade aumentar as despesas em dívida pública. Vítor Gaspar, atual Chefe do Departamento Financeiro do FMI, defende que «as companhias de alto rendimento, que prosperaram com o coronavírus, deverão pagar taxas adicionais de solidariedade para com os que foram mais prejudicados, o que asseguraria a concretização de um esforço colectivo» (p. 99).

Os cidadão de todo o mundo, os agentes do setores públicos e de setores privados, não podem, no entanto, ficar dependentes da tomada de decisão de líderes políticos e devem unir esforços, tendo como meta, como escreve Paz Ferreira, não «repor o padrão de sociedade que nos conduziu à pandemia», mas «criar um modelo em que todos se sintam protegidos» (p.222).

 

 

 

 

 

04
Out21

A nova normalidade

João Miguel Almeida

No dia 1 de outubro se alguém lançou foguetes a celebrar a liberdade não se ouviram. Se algumas pessoas os ouviram nem todas terão compreendido os motivos de celebração. O que se iniciou nesse dia foi uma nova normalidade, com sabor estranho, pois algumas das incómodas regras que até agora nos constrangiam foram eliminadas e outras permanecem.

Na biblioteca nacional a temperatura dos leitores já não é medida à entrada, nem têm de usar umas incómodas luvas de borracha. No entanto, as máscaras continuam para leitores e funcionários e os fracos de álcool gel não desapareceram da paisagem.

O meu filho, que entrou para o quinto ano numa escola em que todos os miúdos do seu nível de escolaridade eram obrigados a usar máscaras, experimentou uma mudança de ciclo mais carregada do que o habitual. Não só teve de se adaptar a mais professores, mais disciplinas, um outro nível de exigência. Também passou a ter de usar máscaras na sala de aulas e no recreio. Desde 1 de outubro já pode respirar livremente no recreio.

Espero que no seu futuro, tudo isto não passe de uma bizarra memória de infância, que durou umas semanas, e não o génesis da normalidade em que ele vai viver como adulto.

 

02
Out21

O discreto dia da liberdade

João Miguel Almeida

Ontem, dia oficial de mais uma etapa no levantamento de restrições à covid-19, jantei num restaurante em Carnide. Estava curioso de saber até que ponto seria percetível um novo «clima de liberdade». Foi pouco percetível que estamos a entrar numa nova fase. Provavelmente a sensação seria diferente se tivesse ido a uma discoteca. Nos restaurantes de Carnide, as continuidades eram mais visíveis do que a mudança. A reação social e política à ameaça de uma pandemia mudou de forma abrupta e violenta a nossa vida e o «regresso à normalidade», ou a invenção de uma «nova normalidade» é lento.

A esplanada não estava cheia e no primeiro andar do restaurante éramos o único grupo. Os empregados usavam todos máscaras – apesar de já não serem obrigatórias – e a maior parte dos clientes também usava máscara e só as tirava para comer. Provavelmente, as pessoas nem se deram ao trabalho de verificar se as máscaras continuavam a ser obrigatórias em restaurantes. Não se perde um hábito que nos convencemos de que nos protege de um dia para o outro.

A grande diferença introduzida nos restaurantes desde ontem é que deixou de haver limites a grupos. O nosso era constituído por doze pessoas. Não é um pormenor de somenos. Vivemos numa sociedade em que a narrativa religiosa mais difundida tem um marco fundamental na última ceia, na qual teriam estado presentes treze pessoas. Ter uma lei a proibir a constituição de um grupo desta dimensão, por razões de segurança, é uma violência simbólica e psicológica.

Entre o regresso de hábitos antigos e a interiorização de novos, vamos aprendendo a viver num mundo pós-covid-19. E esperamos que este processo seja irreversível.

 

 

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