Jogando xadrez com a Morte
Max von Sydow morreu a 8 de março de 2020, em plena crise da covid-19. Era um dos atores preferidos de Ingmar Bergman e ficou famoso pelo papel que desempenhou em O Sétimo Selo em que joga xadrez com a Morte, num combate desigual e traiçoeiro em que teima em acreditar na possibilidade de uma vitória final (ver um trecho do filme aqui).
Mesmo que a Morte não tivesse feito xeque mate a Max von Sydow em plena ofensiva em tantos tabuleiros, associaria muitas frases que vou ouvindo às imagens e à ficção de O Sétimo Selo. Graças Freitas, a diretora-geral da Saúde, já qualificou o vírus SARS-CoV-2 como «muito inteligente». Do lado humano, não se pode dizer o mesmo. Há «idiotas úteis», como Donald Trump e Bolsonaro, que usam, ou não usam, o seu poder para fazer o jogo da Adversária.
Por vezes, ao ouvir o boletim informativo do Ministério da Saúde, tenho a impressão de estar a seguir as jogadas, os avanços e recuos, de uma partida perigosa. Os casos recuperados já são bem mais do que os óbitos: 1470 contra 973. Ao que é que equivale este sinal positivo? Dois ou três peões capturados? O indicador do contágio de uma epidemia, o Ro, depois de ter estabilizado durante várias semanas por volta de 0,9 este fim-de-semana alcançou o 1,04, como pode ver aqui.
É uma mudança simbólica: durante algumas semanas nem todos os infetados contagiavam outra pessoa e agora, em média, um infetado contagia, pelo menos, outra pessoa. Foi atravessada a fronteira entre a esperança na diminuição do contágio e o temor de que a epidemia recrudesça. Como traduzir estes indicadores em imagens de um jogo de xadrez? Após um período de extrema atenção ao jogo, durante o fim-de-semana da Páscoa, distraímo-nos e a Adversária capturou-nos um bispo ou uma torre.
Neste jogo perigoso, tão pessoal como coletivo, não podemos baixar a guarda.