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Diário do Ano C-19

Diário do Ano C-19

31
Dez20

Que este blogue acabe depressa!

João Miguel Almeida

Um dos meus votos para 2021 é que a pandemia de covid-19 termine o mais rapidamente possível e, com ela, este blogue dedicado às nossas desventuras com um vírus que mata e mói.

Tornou-se um lugar comum escrever que 2020 foi um ano estranho. Trouxe com ele um vírus que espalhou o horror, a depressão e o luto. Aqueles para quem o ano não foi mau de todo têm dificuldade em admiti-lo. Um amigo meu, que não gosta nem de praia nem de Natal, acha que, se não tivesse morrido tanta gente, teria boas memórias deste ano. Conto-me no grupo com sorte, que não viu ninguém próximo a morrer ou a sofrer sequelas de covid-19. Aprendi as dificuldades de conciliar teletrabalho com telescola e descobri as vantagens de passar férias no Algarve num tempo abundante em lugares de estacionamento e mesas de restaurantes vazias devido à pandemia. O pior para mim nem foi o número de mortes, relativamente baixo se comparado com a mortalidade causada por outras doenças, mas todo o sofrimento físico e psicológico associado à covid-19.

Comecei a escrever este blogue para aprender o que se estava a passar, ensaiar algumas interpretações, discutir alguns argumentos. Com surpresa foi-me apercebendo de que estudiosos reconhecidos de epidemias falhavam clamorosamente nas suas teorias e previsões. Apesar de haver ainda muito a descobrir sobre o vírus SARS-CoV-2, e de eu ser um leigo, a informação disponível e testada permite-me ter uma ideia do que vai acontecer: entre 10 e 20 de janeiro vai haver um pico de casos confirmados; um mês depois haverá um pico de mortes.

Nesta guerra conta a covid-19, infelizmente, o general inverno, que derrotou Napoleão e Hitler, já se aliou ao inimigo. Portugal tem beneficiado do clima temperado. Basta ver como os jardins públicos são usados para as pessoas se encontrarem e conversarem ao ar livre, muitas delas com máscaras. O avanço do inverno vai retirar pessoas dos espaços públicos e remetê-las para espaços fechados, propiciando a expansão da pandemia.

A nossa melhor arma atual contra a covid-19 é a vacinação mas, antes de ter um efeito social significativo, passaremos dois ou três meses difíceis.

Sim, o que houve de sombrio e complicado em 2020 não vai desaparecer num passe de mágica. Mais uma razão para ter esperança e, como cantavam os Monty Phyton, olhar para o lado bom da vida.

 

 

26
Dez20

Peregrinações natalícias

João Miguel Almeida

Este ano uma boa parte do meu Natal consistiu em peregrinações a vários núcleos familiares com passeios na rua com máscara, presentes trocados à porta, subidas e descida de escadas de apartamentos evitando elevadores. A última peregrinação foi hoje de manhã – uma visita ao hospital à última bisavó viva do meu filho.

Foi, sem dúvida, um Natal diferente. As refeições habituais do meu Natal nos últimos anos consistem em dois almoços e três jantares, em casas de diferentes núcleos familiares e de amigos. Um dos almoços costuma ser numa sala alugada onde se reúnem dezenas de pessoas.

Almocei e jantei em minha casa, com a minha mulher e o meu filho. Por comparação com os anos anteriores, o Natal de 2020 foi saudável e simples, se não contar com as peregrinações natalícias, a reunião familiar via zoom, as conversas por telemóvel e os diálogos através do Skype.

Houve momentos em que passámos por excêntricos, o que a mim não me faz mossa e até me diverte. Não me desgosta ter uma justificação científica para adotar comportamentos considerados anti-sociais.

É estranho é quem olhou para nós como excêntricos não ter tido a oportunidade de apreciar a coreografia familiar executada ao som de uma tradicional música de Natal disponível num vídeo do youtube.

20
Dez20

Crítica da razão alarmista

João Miguel Almeida

Entre o pânico em relação à covid-19 instigado por alguma comunicação social e o negacionismo mais presente nas redes sociais não é fácil encontrar um fio de racionalidade. Alguns indicadores publicados diariamente no boletim da DGS, habitualmente pouco comentados, ajudam-nos a contextualizar a pandemia. Estou a referir-me aos gráficos com a distribuição de casos confirmados e de mortes por faixas etárias (ver aqui).

Que o risco de mortalidade associado à covid-19 é mais baixo do que muitos insinuam salta à vista: no primeiro gráfico, a coluna de casos confirmados na faixa etária entre os 40-49 anos é claramente dominante. Mas se observarmos o gráfico das mortes vemos que não há correspondência entre o número de casos confirmados e de mortes nesta faixa etária. Aliás, entre os 40-49 anos o número de mortos por covid-19 é tão baixo, que nem sequer é percetível.

É entre os maiores de 80 anos que há mais mortes por covid-19. O que, dada a longevidade da população portuguesa, inclui um número razoável de nonagenários. Não desvalorizo a morte de pessoas de idade avançada. Todas as vidas têm de ser defendidas. Simplesmente, nas idades mais avançadas raramente a covid-19 é a causa exclusiva de morte. Geralmente há outras patologias associadas e/ou uma debilidade geral do organismo.

Para os menores de 80 anos, o risco de morte por covid-19 é relativamente baixo. Mas há outros riscos associados à pandemia. O boletim da DGS podia e devia dar uma ideia desses riscos publicando gráficos com o número de internados e de pessoas em cuidados intensivos. A minha intuição é que haveria uma maior distribuição de casos pelas diferentes faixas etárias.

É estúpido correr o risco de ir parar a um hospital e de perder capacidades por causa de um contágio evitável. Além disso, não podemos subestimar os problemas mentais associados à pandemia. A começar pelo trauma de ser responsável pelo contágio e morte de uma pessoa próxima. Imagino como pode ser devastador para um neto sentir-se responsável pela morte de um avô. 

Não vale a pena entrar em pânico por causa da covid-19, mas vale muito a pena ser cuidadoso.

 

 

19
Dez20

Negar o negacionismo

João Miguel Almeida

Hoje, segundo os números oficiais, Portugal tem mais de seis mil mortos com covid-19. É uma boa ocasião para reexaminar as teses negacionistas. Se o negacionismo tinha algum espaço, aberto pela dúvida e pelo desconhecimento, para se afirmar em março deste ano, em dezembro perdeu as pernas para andar.

Quando comecei a escrever este blogue e a processar aqui a informação e alguma reflexão sobre o que estava a acontecer, críticos radicais da “histeria da covid-19” atiravam para cima da mesa do debate o número de cinco mil mortos anuais por gripe. Não fui confirmar o número. Admito que em alguns anos tenham morrido cinco mil pessoas com gripe.

Mas convém sublinhar que a pandemia da covid-19 já contribuiu para a morte de seis mil pessoas, em cerca de nove meses. E o ponto é que, se é possível duvidar da eficácia de algumas medidas tomadas, não vejo como é que se pode negar que, sem o pacto de medidas para combater a pandemia, o número de mortes por covid-19 seria muito superior. O que faz sentido é comparar o número de mortes relacionadas com a gripe este ano com o número de mortes associadas à covid-19 este ano.

Ainda é cedo para saber se o aumento da mortalidade é o maior problema associado à covid-19. As perturbações mentais alimentadas pela pandemia e as sequelas nos doentes recuperados não podem ser subestimadas.

Para termos hipóteses de conservar a saúde física e mental até ao final desta pandemia temos de recusar quer o negacionismo quer o alarmismo.

03
Dez20

Comédia belga de Natal

João Miguel Almeida

O governo belga decidiu que neste Natal só serão permitidos ajuntamentos de quatro pessoas – e mesmo este número extraordinário será apenas permitido em apartamentos com acesso a um jardim ou terraço. Mais: da multidão de quatro pessoas, só uma poderá ir à casa de banho e caberá ao proprietário o apartamento escolher o feliz privilegiado. (ver aqui)

A situação não podia ser mais estimulante para autores de ficção. Deixou aqui as minhas notas para um guião de comédia:

- numa reunião de Natal, um dos não privilegiado sente uma súbita e urgente necessidade fisiológica. Dividido entre o dever de garantir o conforto de um convidado e o cumprimento da lei, o anfitrião, ou anfitriã, decide, improvisadamente, pôr um penico no terraço ou no jardim onde o convidado aflito se possa aliviar;

- um vizinho vê a situação e faz uma denúncia à política. (Para apimentar a história, o grupo de quatro denunciado é francófono e o denunciante é flamengo).

- a polícia interrompe a reunião de Natal, levando para a esquadra todo o grupo, além do penico, como prova de acusação;

- segue-se um processo complicadíssimo em tribunal.

 

01
Dez20

Recusar o negacionismo e o alarmismo

João Miguel Almeida

Após tantos meses de convívio com o SARS-CoV-2 e de uma tempestade informativa e opinativa sobre a pandemia, já se pode fazer um ponto da situação.

As teses negacionistas tiveram espaço para avançar enquanto morriam três ou quatro pessoas por dia com covid-19 e havia 30 ou 40 doentes com covid-19 internados nas unidades de cuidados intensivos. Não vejo como é que se podem manter com sessenta ou setenta mortos por dia e mais de quinhentos doentes em cuidados intensivos.

Mas as atitudes alarmistas também não fazem sentido. Não me refiro só ao facto de os números de casos estarem a baixar e de, segundo todos os indicadores, o «pico» da segunda vaga ter ficado para trás. Aliás, o baixo número de casos confirmados hoje deve-se, quase de certeza, à sequência de um fim-de-semana, uma ponte e um feriado, dias menos propícios à realização de testes. Se examinarmos os gráficos do boletim da DGS com os casos confirmados diariamente, o intervalo etário mais infetado situa-se entre os 40 e os 49 anos, seguido de perto pelas pessoas entre os vinte e os quarenta e na casa dos cinquenta. No entanto, o pico de óbitos é, de longe, o de pessoas com mais de oitenta anos.

As ilações a retirar são simples: a maior parte das pessoas que morrem ou têm vulnerabilidades ou uma esperança de vida já baixa. Os números indicam as mortes «com covid-19» e não «por covid-19», e portanto muitos dos óbitos devem-se também a outras patologias.

Escrito isto, devemos proteger os mais idosos e ter cuidado para não contaminar outras pessoas ou apanhar a doença que, se é improvável que nos mate, pode deixar sequelas. Principalmente devemos pensar que a soma de muitos comportamentos descuidados poderia levar à rutura do sistema nacional de saúde e levar à situação moralmente deplorável dos médicos terem de escolher a quem davam o ventilador.

Para já, esse risco está a diminuir.

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