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Diário do Ano C-19

Diário do Ano C-19

25
Jan21

Um testemunho da linha da frente da guerra contra a covid-19

João Miguel Almeida

 

O testemunho do médico Gustavo Carona no programa que o Bruno Nogueira tem mantido no Instagram, «Como é que o Bicho Mexe», vale a pena ser ouvido na íntegra.

«Como é que o Bicho Mexe» tornou-se um balão de oxigénio para muita gente nestes tempos de pandemia, confinamentos e depressões. É um programa de entretenimento que vai sendo improvisado ao longo da noite, com monólogos do Bruno Nogueira, diálogos com convidados e interações com o público. Às vezes tem piada, outras nem por isso. Os 54 minutos do depoimento de Gustavo Carona não têm piada nenhuma, mas são serviço público prestado numa conta privada do Instagram. É indispensável ouvir para perceber como é a vida dos profissionais de saúde na linha da frente no combate à covid-19, o que lhes devemos e o pouco que podemos fazer em tempos destes, em que no entanto a multiplicação de pequenas ações pode ter grandes efeitos na minimização da catástrofe que já está em curso.

24
Jan21

Votar em tempos de pandemia

João Miguel Almeida

Votei a meio da manhã, na escola do Lumiar.

Evitei o voto antecipado porque estimei que, ao contrário do que muitos pensavam, não teria menor afluência e não seria mais seguro. Viu-se que tinha razão.

Ponderei votar às oito da manhã, para evitar as filas. Fui avisado de que, no caso de alguém da mesa de voto ter faltado, os primeiros votantes a aparecer podiam ser requisitados para substituir a pessoa em falta. Sorri ao imaginar a situação kafkiana de alguém que acorda de manhã cedíssimo para evitar filas, porque tem pavor à covid-19, e acaba por passar o dia todo a trabalhar na mesa de voto. Como tinha outros planos para o dia de hoje, decidi não me pôr a jeito para me ver envolvido numa situação dessas. Escrito isto, tiro o chapéu a quem dedica o dia de hoje ao importante trabalho cívico que permite aos portugueses votarem.

Quando fui votar havia uma razoável afluência às urnas e todas as pessoas usavam máscaras. À entrada da escola, fui avisado de que a minha secção de voto era a que tinha mais afluência e tive de aguardar algum tempo numa fila no exterior. Da fila exterior passei para uma fila interior, que subia do rés-do-chão para o primeiro andar. O ato de votar foi rápido.

Ficou-me a impressão de civismo dos votantes, de empenho das pessoas responsáveis pelos procedimentos eleitorais e de afluência às urnas. É certo que esta última perceção pode distorcer a realidade, pois as medidas de segurança aumentam artificialmente as filas.

Logo à noite veremos os resultados do ato eleitoral.

 

23
Jan21

Para agora recordar

João Miguel Almeida

Agora que se tornou óbvio que se deu um descontrolo da pandemia na sequência de um relaxamento de medidas governamentais e de um baixar da guarda de muitas pessoas no Natal, é preciso lembrar que as responsabilidades pelo descambar da pandemia não podem ser só divididas entre um governo demasiado complacente e cidadãos demasiado inconscientes. Cientistas, jornalistas, influenciadores e políticos, nomeadamente André Ventura e o Chega, contribuíram ativamente para uma espécie de contracultura que banalizou a pandemia, incutiu falsas esperanças, confundiu a prudência dos poderes públicos com intenções opressivas e alimentaram teorias da conspiração.

É claro que é injusto meter cientistas a sério, políticos demagógicos e maluquinhos da conspiração no mesmo saco. Mas estes «strange bedfellows» convenceram cidadãos ignorantes, incautos ou demasiado autoconfiantes e «wishful thinking» a relativizar as recomendações de médicos, autoridades sanitárias e govenantes.

Lembro, por exemplo, que em outubro de 2020 um grupo de cientistas apostava na imunidade populacional como forma de combater a pandemia. Gabriela Gomes, uma epidemiologista portuguesa, anunciava que a imunidade populacional estava prestes a ser atingida e não era expectável um crescimento descontrolado da doença (ver aqui). Em entrevista a Miguel Sousa Tavares na televisão, Gabriela Gomes mostrou-se particularmente otimista em relação à população portuguesa, que teria particularidades biológicas que lhe permitiram alcançar a imunidade mais cedo do que, por exemplo, a população do Reino Unido. Antes do final de 2020, haveria imunidade populacional em Portugal contra a covid-19. Eu próprio quis acreditar nas teorias de Gabriela Gomes. Felizmente, o meu otimismo não me levou a baixar a guarda.

António Costa cometeu um erro político ao confiar demasiado no bom senso dos portugueses no Natal. Mas o negacionismo de André Ventura e do Chega estiveram para lá do erro político – promoveram ativamente comportamentos favoráveis ao crescimento da pandemia.

Nas vésperas de eleições presidenciais, é importante imaginar como seria gerir uma pandemia destas com André Ventura como Presidente da República e um governo dependente do suporte parlamentar do Chega – ou até com um ministro deste partido, quem sabe como ministro da Saúde.

Espero que o bom senso que muitos deixaram fugir no Natal, comece a regressar.

 

22
Jan21

O regresso do medo

João Miguel Almeida

Uma semana depois do início do confinamento ligeiro, recebido por uns num estado blasé, embora não necessariamente descuidado, e por outros com uma atitude de boicote ativo, entrámos num confinamento pesado. As medidas são mais duras e a emoção agora dominante já não é a fadiga ou a irritação, mas o medo. É uma emoção forte e com a sua utilidade, o medo. Foi essa emoção, ou mesmo o pânico, que esteve na origem do primeiro confinamento. Muitas pessoas começaram a fechar-se em casa, mesmo antes do governo decretar o confinamento; a retirar os filhos das escolas mesmo antes do governo fechar as escolas.

Os números em Portugal são cada vez mais assustadores. Além dos números, há as histórias de familiares, amigos, conhecidos que adoeceram. No início da pandemia havia quem pensasse que tudo não passava de uma conspiração, pois não conhecia ninguém com covid-19. Agora, basta passar, por exemplo, frente à entrada do Instituto Ricardo Jorge para observar a caudalosa fila de pessoas à espera de fazerem um teste. Poucas serão as pessoas que, no último ano, não estiveram com alguém que já esteve em risco.

As notícias, mesmo comunicadas sobriamente, não desmentem o medo. A ciência deu-nos a vacinação que prossegue a bom ritmo, mas um ritmo bom, em tempos normais, é extraordinariamente lento em tempos de pandemia. Os cientistas já divulgaram que a nova estirpe britânica, a tal que está na origem de vinte por cento dos casos de covid-19 em Portugal, além de ser mais contagiosa é trinta por cento mais mortal.

As ruas estão muito mais desertas do que há uma semana. Quando se passava frente a uma escola havia sempre animação. Agora as escolas estão fechadas, a lembrar que os alunos também estarão fechados, nas suas casas, eventualmente frente a um ecrã.

É difícil e talvez até seja inconveniente eliminar o medo quando nos encontramos numa situação extremamente perigosa. O importante é controlar o medo, só nessa condição nos pode ser útil. E construir um lugar para outras emoções mais positivas.

20
Jan21

Quando o justo paga pelo pecador

João Miguel Almeida

A pandemia mostra tanto a relevância da ética como a inconsequência do moralismo. Mais do que nunca é preciso termos cuidado connosco e com os outros. Mais do que nunca se percebe como quem tem todo o cuidado pode ter o azar de apanhar covid-19 e quem foi completamente irresponsável pode ter a sorte de ficar incólume.

Em tempos de pandemia, o justo paga pelo pecador, com juros altíssimos: paga com a quebra de rendimentos e até com o desemprego; paga com a falta de saúde e até com a morte.

A justiça deve atuar para sancionar e prevenir atos irresponsáveis. Os políticos são avaliados pelas suas ações nos atos eleitorais. Mas nem a justiça nem a política chegam para nos salvar.

Nesta situação, ou nos condenamos juntos ou nos salvamos juntos. Os médicos tratam todos os doentes, sejam irresponsáveis ou azarados; fazem o que está ao seu alcance para prevenir a morte de qualquer pessoa. É a ética médica que nos deve inspirar nas nossas ações quotidianas, por mais banais que sejam ou nos pareçam.

Mais do que encontrar bodes expiatórios, interessa-nos escapar ao coronavírus.

19
Jan21

O maior erro do governo

João Miguel Almeida

Até agora, o maior erro do governo e do Presidente da República no combate à pandemia foi darem aos portugueses um crédito que não mereciam no Natal. Confiaram na sua responsabilidade e prudência e o resultado foi um desastre: record mundial de novos casos de covid-19, internamentos e urgências no limite, um número nunca visto de mortes causadas pela pandemia.

Hoje, depois dos ralhetes do primeiro-ministro e do Presidente da República, as novas restrições e a ameaça de ainda mais restrições, já se nota um menor trânsito. É triste perceber que muitos dos meus compatriotas só tomam juízo quando ganham medo ao pau.

Retrospetivamente, a legitimidade do primeiro confinamento é reforçada. Havia dúvidas sobre se tinha feito sentido um confinamento com resultados tão perniciosos para a economia, se o confinamento não devia ter sido mais curto, com menos restrições ou, pura e simplesmente, não devia ter havido confinamento. É claro que a necessidade ou eficácia de algumas medidas serão sempre discutíveis.

Mas os portugueses, após meses de convívio com o vírus, abriram-lhe as portas no Natal e, mesmo quando os indicadores negativos subiam em flecha, baixaram a guarda no primeiro fim-de-semana do segundo confinamento.

Como é que seria se, no início da pandemia, com menos informação e conhecimento científico sobre este coronavírus e mais espaço para teorias da conspiração e negacionistas, sem máscaras, sem álcool gel, sem procedimentos interiorizados, se tivesse dispensado o confinamento ou optado por um confinamento suave?

Apesar de todos os sinais tétricos é preciso alimentar a esperança. E fazer tudo para evitar adoecer no próximo mês.

 

15
Jan21

O confinamento do costume?

João Miguel Almeida

Esta quarta-feira de manhã entrei num café na rua, perto da minha casa, pensando que era uma despedida nas vésperas do confinamento. Fiquei a saber que o café não fecharia, ou não fecharia completamente. Hoje de manhã fui ao mesmo café, para saber como era. A porta estava aberta, com uma mesa a dividir o interior do exterior. Os clientes faziam o pedido à porta. A empregada ia buscar os bolos, ou o café, colocava-os num tabuleiro sobre a mesa. Os clientes serviam-se, pagavam e comiam na rua ou noutro local qualquer. A mercearia e os correios também estavam abertos, com novas regras.

Não nos podemos banhar duas vezes na água do mesmo rio, nem confinarmo-nos duas vezes com o mesmo estado de espírito. No ano passado, com números ínfimos de mortos e de infetados comparados com os atuais, as pessoas confinadas oscilavam entre o negacionismo e o alarmismo.

Um ano depois, o alarme, a revolta, a sensação de irrealidade que habitavam as pessoas confinadas ou resistentes ao confinamento cederam à fadiga, à resignação, à sensação de déjà vu.

Este não é um confinamento como o de há um ano – as escolas, as universidades, as pequenas empresas do comércio local, os dentistas continuam abertos. As pessoas já se habituaram a usar máscaras e álcool gel, mesmo que pensem que não resguardam ninguém de um azar.

Para muitos de nós, o confinamento tornou-se uma espécie de irritante costume sazonal, que se pode suportar com um mínimo de conforto. Desgraçadamente, para muitos outros o confinamento só vai agravar o mundo incómodo e sem horizontes em que vivem. É por isso que para combater os efeitos desta pandemia não basta uma política de saúde pública.

12
Jan21

Duas almofadas para o confinamento

João Miguel Almeida

Na segunda-feira desta semana fui ao Ikea e comprei duas almofadas, entre outros apetrechos a usar na guerra contra a covid-19. Já estão no sofá da sala. O Ikea estava bastante povoado, de pessoas silenciosas e mascaradas. Não me pareceram especialmente ansiosas.

O que tenho ouvido confirma a minha ideia de que a maior parte dos portugueses, ou, pelo menos, dos lisboetas e vizinhos, encara o segundo confinamento com resignação. Todo o espaço para o negacionismo e para as teorias da conspiração que havia durante o primeiro confinamento encolheu brutalmente. O confinamento não cura ninguém, mas impede o vírus de se espalhar, ou atrasa-o, e impede o sistema nacional de saúde de entrar em rutura. Alguns doentes escaparão à morte porque os médicos não tiveram de tomar a trágica decisão de dar os seus ventiladores a outros doentes.

Apesar dos números ameaçadores, seria pior entrarmos no segundo confinamento sem sabermos que alguns grupos de risco já estão a ser vacinados; ou sem sabermos que a União Europeia se comportaria melhor perante a crise da covid-19 do que se comportou durante a crise das dívidas soberanas.

A resignação só não existe em relação ao encerramento das escolas. Ter filhos em idade escolar em casa vai afetar negativamente o ensino, o trabalho e a saúde mental de muitas famílias. Esperemos que o governo não ouça só os especialistas em saúde, mas tenha também em conta os especialistas em educação, nas questões laborais, em psicologia social.

 

 

02
Jan21

O que podemos esperar da covid-19 este ano

João Miguel Almeida

Uma série de especialistas responderam a um inquérito sobre o que podemos esperar da covid-19 e acerca do modo como vai afetar a nossa vida em 2021 (ver aqui). Apesar das incertezas, das divergências de opiniões e de pelo menos uma das pessoas inquiridas já ter feito previsões que não resistiram ao teste da realidade, retenho das declarações algumas ideias que podem servir de bússola para a nossa vida em contexto de pandemia:

- não temos de esperar pela imunidade de grupo (que ainda vai demorar) para considerar a pandemia controlada. O importante é garantir que, em caso de surto, os mais vulneráveis estão protegidos e o aumento de casos confirmados não esgota a capacidade de resposta dos hospitais e, em particular das unidades de cuidados intensivos.

- não há razões para evitar as vacinas, pelo contrário, devemos apoiar a campanha de vacinação. Mas, apesar de não haver riscos de vacinação, ainda é cedo para saber exatamente qual é o seu impacto no combate à doença.

Em suma, temos razões para ter esperança, mas não para baixar a guarda.

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