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Diário do Ano C-19

Diário do Ano C-19

17
Abr22

Ilações a tirar da covid-19

João Miguel Almeida

A Páscoa assinala a morte social da covid-19. As pessoas e as famílias, com mais ou menos máscaras, retomam os hábitos de reencontro. É a guerra da Ucrânia que agora domina os noticiários. Declarações de responsáveis de saúde de que as mortes associadas à covid-19 se encontram acima do previsto, soam como uma abstração ou notícias de uma realidade mais longínqua que a guerra da Ucrânia. Todas as pandemias têm uma dimensão social alimentada pelo medo. Esse medo desapareceu ou foi reduzido a um patamar mínimo. Quando a maior parte da população recebeu três doses da vacina e/ou foi infetada sem consequências maiores, o perigo pandémico percecionado é muito baixo.

Algumas ilações já se podem tirar da covid-19. A primeira é que qualquer discussão sobre uma pandemia e a melhor forma de combatê-la tem de basear-se num conhecimento científico do vírus. Parece óbvio, mas as violentas polémicas iniciais, que também atingiram este blogue, em torno da «vacinação natural», do confinamento e da «grande conspiração dos media» ignoraram esta ideia básica. A «vacinação natural» seria aceitável e o confinamento uma medida insuportável se a letalidade da covid-19 fosse comparável ao de uma gripe normal. Era cerca de dez vezes superior. Medidas que seriam razoáveis para um vírus mais fraco, ou para uma variante mais benigna do SARS-CoV-2 seriam/foram catastróficas para a variante delta.

O confinamento foi uma estratégia racional adotada perante um vírus com as características do SARS-CoV-2 e antes de estar disponível a possibilidade de vacinação em massa da população.

A segunda ilação a retirar é que as loas ideológicas à sociedade civil e à iniciativa privada têm efeitos perversos numa situação pandémica, convergindo com a demagogia política mais descarada e com o darwinismo social mais brutal. Convém não esquecer os textos que equacionaram em termos de custo-benefício a morte de velhos e doentes e a indiferença ou desvalorização mostrada por algumas pessoas pela morte de pobres.

A parte da sociedade civil mais relevante num contexto pandémico foi a comunidade científica e a sua relevância esteve associada à capacidade de influenciar políticas governamentais. A iniciativa empresarial privada foi capaz de colocar no mercado máscaras que diminuíram o impacto da pandemia e ferramentas tecnológicas que permitiram o teletrabalho evitando o encerramento de empresas. Mas se a produção e distribuição de vacinas ficasse entregue exclusivamente aos interesses das farmacêuticas, aos recursos financeiros de privados para investir em investigação, ao mercado, a proteção das populações por vacinas seria ainda mais desigual. E num mundo tão globalizado e conectado como o nosso, a vacinação de uma minoria de ricos seria uma vitória de Pirro para os próprios, pois mesmo que a saúde de uma minoria ficasse protegida, ninguém ficaria totalmente a salvo de uma catástrofe económica e social.

A pandemia lembrou-nos que nenhum homem é uma ilha e nenhuma sociedade é apenas uma soma de indivíduos.

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