As distopias da covid-19
Ontem, no arraial dos santos populares, em Carnide, ninguém diria que a covid-19 ainda anda por aí. Uma ou duas pessoas com máscaras faziam figura de excêntricas, como se confundissem o carnaval com uma festa alfacinha.
Já foi anunciado um plano de vacinas para o próximo outono em que a covid-19 é colocada ao nível da gripe. Agora sim, a covid-19 está normalizada. O SARS-CoV-2 é mais um vírus com potencial para incomodar, sazonalmente, algumas pessoas.
O surto epidémico teve efeitos contraditórios sobre a mente das pessoas. Numas alimentou atitudes de negação e teorias da conspiração, noutras distopias. As distopias mais importantes foram contraditórias: a distopia «darwinista» em que os mais desprotegidos morriam enquanto os ricos, jovens e saudáveis, os «fortes», sobreviviam, e a distopia «totalitária» em que um Estado, a pretexto de cuidar e proteger as pessoas, passava a controlar toda a sua vida.
O Brasil serviu de inspiração aos distópicos «darwinistas» e a China aos «totalitários». As distopias têm o mérito de nos prevenir contra possíveis derrapagens sociais e políticas. Mas o regresso a uma sensação de normalidade lembra-nos que um estado de exceção pode e não deve ser mais do que uma exceção temporária e justificada.