Desconfinar ou reconfinar ou…?
O vírus SARS-CoV-2 trouxe com ele incertezas permanentes e verdades provisórias. A verdade de hoje é que a epidemia está a estabilizar em Lisboa, com Rt abaixo de 1 (ver aqui), e trata-se de uma verdade coerente com o reforço de medidas em finais de junho e início de julho.
A minha sensação, que me parece partilhada por muitos, é que devo fazer o que depende de mim para evitar a covid-19, mas há muito, demasiado, que não depende de mim.
As críticas ao governo partem de muitos lados e a crise de uma pandemia demonstra até ao absurdo que as ações individuais são indispensáveis, mas não bastam para lidar com uma situação como esta em que a ação do Estado é decisiva para garantir um mínimo de segurança às pessoas. No entanto, creio que a margem do governo é mais curta do que a maior parte das pessoas imagina.
Seria difícil o governo e o Presidente da República não terem decidido confinar a população portuguesa no início da pandemia. O modelo sueco não podia ser tomado à letra em Portugal. Em primeiro lugar, porque o modelo sueco partiu de pressupostos de uma realidade social diferente, em que as pessoas de mais idade convivem pouco com os mais jovens. O raciocínio foi: os jovens apanham o vírus e recuperam, os velhos vivem isolados dos jovens e estão protegidos. Foi esquecido que os velhos suecos a viver em lares podem estar isolados dos jovens da sua família, mas não o estão dos trabalhadores que lhes prestam assistência. Em segundo lugar, em Portugal já estava instalado o alarme social com um espetáculo mediático montado em volta de cenas de horror epidémico em Itália e Espanha. Se o governo português decidisse imitar a Suécia, haveria um «confinamento selvagem», com pessoas a fechar empresas, a despedir-se, a tirar os filhos da escola, e enfiavam-se todos em casa sem qualquer proteção legal ou apoio educativo.
Atualmente, quando o espetáculo de horror mediático se deslocou da saúde pública para a economia, também seria improvável reconfinar sem dar a impressão de cometer um suicídio económico, como parece que aconteceu na Argentina. Há medidas tomadas a nível nacional e local que são discutíveis e criticáveis. Por exemplo, não percebo por que é que, no combate à epidemia, se reduz o horário nos centros comerciais, favorecendo a formação de bichas frente à entrada e a concentração de pessoas no interior quando o alargamento dos horários é que evitaria as bichas e favoreceria a circulação mais à vontade no interior dos centros comerciais.
A «covida» é um nó górdio que ninguém, a começar ou a acabar no governo, ainda conseguiu desfazer com um só golpe. Toda a sociedade e todos os poderes, grandes e pequenos, públicos e privados, estão envolvidos na adaptação à «covida» e no combate por uma vida sem prefixos, num processo sem fim à vista.