O discreto dia da liberdade
Ontem, dia oficial de mais uma etapa no levantamento de restrições à covid-19, jantei num restaurante em Carnide. Estava curioso de saber até que ponto seria percetível um novo «clima de liberdade». Foi pouco percetível que estamos a entrar numa nova fase. Provavelmente a sensação seria diferente se tivesse ido a uma discoteca. Nos restaurantes de Carnide, as continuidades eram mais visíveis do que a mudança. A reação social e política à ameaça de uma pandemia mudou de forma abrupta e violenta a nossa vida e o «regresso à normalidade», ou a invenção de uma «nova normalidade» é lento.
A esplanada não estava cheia e no primeiro andar do restaurante éramos o único grupo. Os empregados usavam todos máscaras – apesar de já não serem obrigatórias – e a maior parte dos clientes também usava máscara e só as tirava para comer. Provavelmente, as pessoas nem se deram ao trabalho de verificar se as máscaras continuavam a ser obrigatórias em restaurantes. Não se perde um hábito que nos convencemos de que nos protege de um dia para o outro.
A grande diferença introduzida nos restaurantes desde ontem é que deixou de haver limites a grupos. O nosso era constituído por doze pessoas. Não é um pormenor de somenos. Vivemos numa sociedade em que a narrativa religiosa mais difundida tem um marco fundamental na última ceia, na qual teriam estado presentes treze pessoas. Ter uma lei a proibir a constituição de um grupo desta dimensão, por razões de segurança, é uma violência simbólica e psicológica.
Entre o regresso de hábitos antigos e a interiorização de novos, vamos aprendendo a viver num mundo pós-covid-19. E esperamos que este processo seja irreversível.
